abril 04, 2011

o coração

Acontece assim. Então ele cai de onde pertence, pertencendo a vários lugares em simultâneo, e eu fico perdida de o perder. Perdida de o saber perdido e de não o encontrar entre os pés da multidão que me engole sem perceber que o procuro. É no chão que tem que estar; estando perdido, sinto-o ser espezinhado. Olho em torno do que me rodeia, mas esse depois de aqui não tem lugar, é uma imagem parada de uma imagem em movimento. A alma está cega com olhos cansados; tornou-se exaustivo ouvir, doloroso olhar e ardente sentir. Perco-me então de mim, perdida já com aquele que perdi, sem saber o rumo que levo, se a estrada tem um fim, se esta raiva de me deixar perder me conduz onde penso, ou se não penso de todo. Não é a raiva de por isso o ter perdido, é a raiva de o ter deixado perder-se por isso. Onde ele agora não está, existe um sítio. É essa dor física de não o ter lá, de acreditar que ele pode estar num lugar melhor, que me faz odiar cada fragmento aspirante a pensamento. Um amor neutro: isento de compaixão. Um amor forte por mim, que não consigo perceber onde acaba. Baixo os braços e conduzo para casa a arrastar o orgulho, e acabo por encontrá-lo no lugar onde nunca o perdi. Não há amor que mude isto, além do próprio. Demasiado amor próprio... Hipoteticamente esse próprio amor foi perdido com aquele que se perdeu, porque todas estas palavras preenchem os contornos de um passado. Acontecia assim. As palavras foram escritas, se é que têm algum sentido (como quem diz: se é que interessam para alguma coisa).

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